Imunidade x Alimentação (N. 203 do Painel de 599 Blogs do Dr. Paim) - Jornal O Porta-Voz
sábado, 7 de março de 2020
Doutor, preciso aumentar minha imunidade. O que devo fazer? Alimentação adequada e balanceada, hidratação e proteção da pele com protetor solar são formas simples de preservar a integridade.
Carlos Starling Infectologista, Especialista em Medicina Preventiva, Mestre em Medicina, Professor de Medicina da FASEH, Diretor da Sociedade Mineira de Infectologia.
Certamente, esta é uma das perguntas que mais frequentes em consultórios médicos, principalmente em momentos que precedem surtos e epidemias.
A resposta geralmente é óbvia, mas como já discutimos aqui mesmo, em coluna anterior, a espécie humana não é muito de fazer o óbvio.
Arranjamos dezenas de justificativas para nossos exageros e displicências, adiando decisões que sabemos que cedo ou tarde teremos que tomar, ou não.
Além da vitamina C, veja outros nutrientes que ajudam a aumentar a imunidade no inverno.
Com muita frequência, pacientes chegam em consultórios médicos com dezenas de exames solicitados por diferentes profissionais, sacolas de complexos vitamínicos e de medicamentos teoricamente voltados à melhoria da imunidade, refletindo um estado de absoluta insegurança diante de seus problemas do dia a dia, ou de sintomas os quais não consegue expressar com clareza.
Em momentos como o que estamos vivendo agora, na iminência de uma epidemia por um novo vírus, essa insegurança aumenta.
Por outro lado, o médico pressionado pela demanda crescente por produtividade, acaba por não estabelecer uma relação com o paciente que lhe permita de fato assisti-lo.
Lembro aqui que o pilar fundamental da assistência médica é a relação médico-paciente.
Se uma relação de absoluta confiança e reciprocidade não se estabelece, não espere resultados satisfatórios.
O mundo apressado e líquido em que vivemos caminha em direção oposta à interação humana e sagrada do encontro médico-paciente.
O debate que presenciamos atualmente sobre telemedicina vem no sentido de preservar essa interação, sem se vender aos interesses econômicos de uma assistência impessoal e robotizada, aos moldes de um telemarketing.
Para entender o que nos torna vulneráveis a doenças infecciosas, temos que compreender como funcionam nossos mecanismos de defesa.
O termo imunidade é derivado da palavra em latim immunitas, que se referia à isenção de vários deveres cívicos e de processos legais oferecida aos senadores romanos durante seus mandatos.
Historicamente, imunidade significa proteção contra doença, mais especificamente, contra doenças infecciosas.
As células e moléculas responsáveis pela imunidade constituem o sistema imune.
A sua resposta coletiva e coordenada à introdução de substâncias estranhas é a resposta imune.
Sabemos, hoje, que muito dos mecanismos de resistência às infecções estão envolvidos na resposta do indivíduo a substâncias estranhas não infecciosas.
Além disso, os mesmos mecanismos que normalmente nos protegem contra infecções e eliminam substâncias estranhas são, em algumas situações, eles próprios, capazes de causar lesões aos nossos tecidos e órgãos.
Trata-se do que podemos chamar de “fogo amigo”, por vezes tão letal quanto o próprio microrganismo causador do processo infeccioso.
Os historiadores creditam a Thucydides, em Atenas, durante o quinto século a.C., ter sido o primeiro a mencionar imunidade em relação a uma infecção a qual ele chamou de peste.
O conceito de imunidade pode ser ainda mais antigo, conforme sugerido pelo costume chinês de fazer as crianças inalarem pós feitos com crostas de lesões cutâneas de pacientes que se recuperavam de varíola.
A imunologia em sua forma moderna é uma ciência, pela qual as explicações dos fenômenos se baseiam nela e nas conclusões tiradas dela.
A evolução da imunologia como disciplina experimental tem dependido da nossa capacidade de entender e manipular a função do sistema imune sob condições controladas.
Historicamente, o primeiro exemplo claro disso e que persiste entre os mais marcantes jamais registrados, foi a vacinação bem-sucedida contra varíola, feita por Edward Jenner no século 18.
Jenner, médico inglês, observou que os ordenhadores que se recuperavam da varíola bovina jamais contraiam as formas mais graves dessa doença.
Com base nesta observação, ele injetou o material de uma pústula de varíola bovina no braço de um menino de 8 anos.
Quando o menino, mais tarde, foi intencionalmente inoculado com varíola, a doença não se desenvolveu.
O Tratado de Jenner sobre vacinação (do latim vaccinus, que vem das vacas), foi um marco histórico publicado em 1798.
O livro introduziu a aceitação generalizada deste método para produzir imunidade a doenças infecciosas.
Um testemunho eloquente quanto a importância e o progresso da imunologia foi o anúncio feito pela Organização Mundial de Saúde, em 1980, de que a varíola era a primeira doença infecciosa erradicada em todo o mundo por um programa de vacinação. Nos últimos 30 anos, houve uma notável transformação dos nossos conhecimentos sobre o sistema imune e suas funções. Avanços nas técnicas de cultura celular, no entendimento do DNA recombinante e na bioquímica das proteínas, transformaram a imunologia de uma ciência em grande parte descritiva, em uma ciência onde os fenômenos imunes diversos podem ser unidos e coerentemente explicados em termos estruturais e bioquímicos precisos. Possuímos dois tipos de imunidade: inata e adquirida A imunidade inata, também chamada natural ou nativa, é um bem que a genética e a evolução da nossa espécie nos proporcionaram. Nascemos com ela e por isto conseguimos sobreviver ao encontrarmos os primeiros microrganismos que nos colonizam ao nascermos. A imunidade inata representa a linha avançada de defesa contra micróbios. Os principais componentes da imunidade inata são: barreiras físicas e químicas, tais como os epitélios e a substâncias antimicrobianas produzidas na superfície das células epiteliais; as proteínas sanguíneas, incluindo membros do sistema do complemento e outros mediadores da inflamação; células responsáveis por eliminar microrganismos e células defeituosas(neutrófilos e macrófagos) e até mesmo as bactérias que colonizam a nossa pele e mucosas intestinais fazem parte de nossa imunidade natural. A capacidade dos micróbios de romper com essa primeira linha de defesa é conhecido como virulência ou capacidade de resistir aos mecanismos de imunidade inata. Em contraste com a imunidade inata, existem mecanismos de defesa mais evoluídos, que são estimulados pela exposição aos agentes infecciosos e aumentam a magnitude e capacidade defensiva em cada sucessiva exposição a um determinado micróbio. Uma vez que essa forma de imunidade evolui como uma resposta a infecção, é chamada de imunidade adquirida. As características desta modalidade são: notável especificidade para distintas moléculas; a especialização, capacitando-as a responder de modo particular aos vários tipos de micróbios; e sua capacidade para lembrar de responder mas vigorosamente as repetidas exposições ao mesmo micróbios. Em razão dessa capacidade de distinguir entre diferentes micróbios, é também chamada de imunidade específica.
Os componentes da imunidade específica são os linfócitos e seus produtos, os anticorpos.
A substâncias estranhas que induzem respostas imunes específicas ou são os alvos dessas respostas são chamados antígenos.
Os mecanismos da resposta imune, tanto inata quanto específica, constituem um sistema integrado de defesa do hospedeiro, no qual numerosas células e moléculas funcionam cooperativamente.
A imunidade inata não só proporciona a defesa inicial contra os micróbios, como também exerce vários papéis importantes na indução das respostas imunes específicas.
Para o adequado funcionamento do nosso sistema imune, tanto natural quanto o específico, uma série de condições e substâncias são fundamentais.
A glicose, por exemplo, é uma das substâncias fundamentais para o adequado funcionamento das células que nos defendem.
Entretanto, a glicose tem que entrar nas células para se transformar em energia.
Para que isto aconteça, é necessário que uma substância, conhecida com insulina, produzida pelo pâncreas, promova a entrada da glicose para o interior das células. Pessoas diabéticas não têm níveis adequados de insulina para que as células funcionem de forma adequada.
Desta maneira, podemos entender o motivo pelo qual diabéticos são mais propensos a desenvolver infecções.
Para pacientes portadores dessa doença, uma das principais recomendações para melhorar a imunidade é controlar os níveis de glicose no sangue.
Pacientes diabéticos bem controlados respondem muito bem a agressões infecciosas.
Portanto, uma das principais maneiras de mantermos a o nosso sistema imunológico funcionando de maneira adequada é preservando as nossas barreiras naturais e fortalecendo a imunidade adquirida.
Preservar a imunidade natural significa evitar o que agride as nossas barreiras naturais, como pele e mucosas.
Alimentação adequada e balanceada, hidratação e proteção da pele com protetor solar são formas simples de preservar a integridade de uma das mais importantes barreiras de proteção que possuímos.
Evitar o que agride as nossas mucosas respiratórias também é básico, como eliminar o hábito de fumar.
O cigarro irrita as vias aéreas e nos torna mais vulneráveis a infecções respiratórias.
Além disso, infecções respiratórias em fumantes ativos ou passivos (pessoas que vivem com fumantes), são sempre mais graves e difíceis de se tratar.
Da mesma forma que o cigarro, o excesso de bebida alcoólica irrita e lesa as células do nosso aparelho digestivo, facilitando a entrada de microrganismos por esta via.
Por outro lado, fortalecer a imunidade especifica, ou adquirida, significa treiná-la para o enfrentamento com germes potencialmente perigosos.
O melhor treino neste caso são as vacinas.
Podemos dizer que as vacinas são o “personal treiner “ do sistema imunológico. As vacinas simulam o encontro com os micróbios agressores e ensinam o nosso sistema imunológico a enfrentá-los, além de manter uma memória para encontros futuros com o mesmo germe.
Lembro que as vacinas não são apenas para crianças, mas também para adolescentes, adultos e idosos.
A atividade física regular é outra maneira de estimularmos nossas defesas, tanto naturais quanto adquiridas.
Evidências científicas contundentes mostram que a atividade física aumenta a resistência a infecções, porém, os excessos são sempre perigosos.
Pessoas que se exercitam em excesso podem desenvolver uma doença conhecida como Síndrome do Excesso de Treinamento (Overtraining), a qual em vez de melhor a performance do nosso sistema imunológico, acaba por fragilizá-lo e expô-lo a infecções.
Não é incomum atendermos atletas com infecções recorrentes, cuja origem é o excesso de atividade física.
Neste casos, o repouso e o descanso são fundamentais. Um bom programa de treinamento sempre privilegia o descanso como parte fundamental do condicionamento físico.
Outro elemento fundamental para o nosso sistema imunológico é o sono.
A falta de sono, além de gerar transtornos de comportamento, como irritabilidade e falta de atenção, compromete a resposta imunológica e nos fragiliza. Precisamos, em média, de 6 a 8 horas de sono por dia para nos restabelecermos completamente. A hidratação adequada é outro ponto básico para o adequado funcionamento do nosso sistema imunológico. Para que as substancias necessárias ao adequado funcionamento das nossas células cheguem até elas é preciso que estejamos hidratados.
A necessidade de água por dia varia de uma pessoa para outra. Em geral, precisamos de cerca de 35ml por quilo de peso. Por exemplo, um indivíduo adulto de 80 quilos deve tomar 2,8 litros de água por dia.
Entretanto, essa quantidade pode variar conforme o funcionamento dos rins, tipo de atividade física exercida ao longo do dia, temperatura ambiente etc. O sobrepeso é outro ponto que compromete nosso sistema imunológico de várias maneiras.
Tanto a imunidade natural, quanto a adquirida ficam comprometidas em pacientes obesos, principalmente aqueles classificados como obesos mórbidos.
A obesidade é um fator de risco importante para infecções, particularmente as infecções virais. Em 2009, quando tivemos a epidemia de H1N1, conhecida com gripe suína, nove de cada 10 pacientes que evoluíram para óbito eram obesos. Portanto, controlar o peso é uma importante maneira de nos protegermos. O estresse físico e mental também nos torna mais frágeis frente a infecções. Estudos de uma área muito sofisticada da ciência, conhecida como psiconeuroimunologia, mostram que pessoas submetidas constantemente a estresse físico e/ou mental têm mais câncer e doenças infecciosas que as pessoas sem essas condições. Esses estudos comprovam as observações do meu avô Lozico, já citado antes nesta coluna:
"Preguiça engorda e mata, trabalho demais enche o bolso e o túmulo".
Até aqui, vocês devem ter percebido que não falamos em soluções mágicas, como complexos vitamínicos, suplementação alimentar, nem fórmulas nutricionais milagrosas.
Falamos do óbvio!
Sim, o óbvio tem evidência científica que funciona!
O resto carece de evidências de que sejam realmente benéficas, podendo ser até mesmo danosas, ou no mínimo onerosas.
Na dúvida, pergunte ao seu médico e jamais se oriente por conselhos de gurus da internet.
Seja prudente e desconfie de quem lhe ofereça coisas mirabolantes.
Na obra prima de Guimarães Rosa, Grandes sertões veredas, o personagem Riobaldo tem uma máxima:
“Não sei de nada, mas desconfio de muita coisa”. Ta
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